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#31 - A vós suspiramos gemendo e chorando - Só uma rapidinha
Talvez um Fleabag gay?
Bem vindes, irmãos, irmãs e hermanes, à missa em homenagem aos perdidos e hereges
No caso, a nós mesmos.
Com um copo de vinho para brindarmos, convido vocês para a leitura da rapidinha mais despirocada das ideias que já escrevi até hoje. E falo isso como um elogio, porque me diverti horrores escrevendo cada linha.
A temática de Padre surgiu depois que conversei com o Ariel, combinando uma thread de leitura do Só uma rapidinha. Ele já falou bastante sobre gostar de histórias com Padres e decidi prometer uma como pagamento pela thread. Achei que seria só mais um texto, mas a verdade é que eu gostei TANTO e investi TANTO nessa ideia que… ela vai ter uma segunda parte!
É isso mesmo que você leu: pela primeira vez teremos uma continuação de uma rapidinha! Inclusive, aceito feedbacks sobre o formato, se curtiram a divisão em duas partes, se leriam mais histórias assim, etc.
Tenho muitas ideias para o futuro do Só uma rapidinha, esse lugar de experimentação, e quero que você leitore também se divirta no processo 😄
Sem mais delongas, ajoelhe-se. Vem pecar comigo.
Edit: Por último, mas não menos importante
Essa história saiu em formato de e-book! Com mais uma parte (que é maior que as duas primeiras juntas), revisada e BRILHANDO com uma capa maravilhosa. Confira sobre aqui.
A vós suspiramos gemendo e chorando
Em certo momento de sua vida, Matheus percebeu que precisava fazer uma escolha. Quando se cresce no interior, em uma família e comunidade extremamente católicas, pensar em garotos como mais do que amigos e gastar muito tempo pensando nos detalhes de seus corpos nunca é um bom sinal. Quase nada é um bom sinal quando se vive em um ambiente tão estrito, tão regrado e exigente.
Ele não contou para ninguém de seus pensamentos e fez a única coisa que sabia fazer: rezou. Desde bem jovem, ajoelhava-se aos pés da cama por horas e horas, passava mais tempo na igreja do que fora dela, se tornou coroinha, auxiliar da igreja e sempre continuou orando, implorando pra se livrar daqueles pensamentos, pra ser liberto, para ser salvo.
Nada adiantou.
Então em seu aniversário de dezoito anos percebeu sua única saída, a única coisa que iria livrá-lo do pecado: deixar de ser Matheus e estudar para se tornar Padre Matheus. Ele sempre enxergara o ato de pecar como uma escolha. Não existia tentação do mundo que era maior do que a capacidade de uma pessoa de dizer não.
Dessa forma, seu caminho como seminarista foi impecável. Dedicava-se de corpo e alma aos estudos, a Deus, colocando tudo que era sagrado no centro de seus dias e noites. Era elogiado e querido por onde quer que caminhasse, e quando foi finalmente ordenado sacerdote e enviado para uma comunidade, fazer a sua cidade crescer em Cristo era tudo que ele almejava na vida.
Ele parou de pensar em homens. Por muitos e muitos anos, servir a Deus e à comunidade eram as únicas coisas que ocupavam sua mente. Ao menos ele repetia isso para si, cortando qualquer desejo pela raiz. Como ensinava o livro de Mateus, cortaria sua mão direita se fosse necessário para garantir um lugar no céu.
Essa austeridade envelheceu, assim como ele. A chegada dos quarenta não abalou seu corpo e mente, que maturaram como vinho, mas trouxe um amargor para sua resistência. Depois de anos e anos pregando a palavra, reiterando como Deus amava o pecador, mas não o pecado, repetindo que Deus perdoava, que Deus era amor, alguma parte do Padre perdeu a paciência com tecnicalidades da Bíblia.
Padre Matheus jamais se deitaria com outro homem, de forma nenhuma. Isso não, pois ainda havia limites e ele ainda era, acima de tudo, um celibato católico. Um sacerdote, por Deus. Mas morar a vida inteira em uma casa cheia de homens eventualmente faz com que você se canse de podar seus pensamentos, se canse de ocupar a sua mente a cada segundo para impedir que qualquer questionamento venha à tona. Padre Matheus se fartou de frear sua mente, exausto de segurá-la entre os dedos como se fosse uma hóstia santa, imaculada. Não era, jamais seria. Em certo ponto passou a considerar uma ofensa que se esforçasse tanto para ser, perante à Deus, algo que, no fundo, não era.
Então em uma noite, fez uma promessa. No fundo de seu coração aquilo tinha cara de barganha, mas Padre Matheus não gostava dessa palavra, então repetiu para si mesmo que estava fazendo uma promessa.
Tudo começou em uma de suas folgas. O padre costumava encontrar alguma outra comunidade, ONG ou local que estivesse precisando de ajuda e dedicava seu tempo integralmente ao serviço. Em uma dessas ocasiões foi parar na capital, em um evento para arrecadar dinheiro para uma ONG de animais que precisava de cozinheiros voluntários. Serviu feliz durante todo o evento, mas não pode deixar de reparar, na entrada e na saída, na placa discreta do outro lado da rua de um dos bairros centrais onde se lia Fantasia em letras estilizadas e decoradas com correntes.
Padre Matheus não entendeu bem porque aquele nome grudou em sua mente, aparecendo aleatoriamente entre seus pensamentos como se o chamasse, algo que ele nomearia como intervenção divina não fosse sua leve suspeita do que iria encontrar se pesquisasse sobre o lugar. Ele protelou o pensamento tanto quanto conseguiu, os dias virando semanas, até que ele decidiu finalmente pesquisar, repetindo para si que queria apenas sanar uma curiosidade latente. Nada de mais.
Não foi difícil achar o site do lugar. Na verdade, era o primeiro resultado na busca, e o Padre hesitou com o ponteiro do mouse por cima do link, nervoso. Por via das dúvidas, deletou do histórico esse acesso e abriu uma aba anônima, refazendo a busca. Clicou no link segurando a respiração, o corpo inteiro tenso.
Padre Matheus jamais repetiria em voz alta nada do que viu. Não teria coragem. De fato, nunca conseguiria falar sobre o que aconteceu naquele momento dentro de si, nem mesmo para se confessar, temeroso de que falar as palavras em voz alta tornasse aquela miríade de sentimentos que se desenrolava como um terço mais real, abrindo porteiras que ele há tanto tempo se esforçava para fechar.
Fantasia é a maior casa BDSM para homens gays e bissexuais do Brasil, falava a chamada do site. Aqui seus maiores desejos podem vir à tona, ele continuou a leitura. Pulseiras exclusivas para aqueles que não desejarem ser tocados ou interrompidos, suor escorria da lateral de sua testa. Dias específicos para iniciantes que desejam começar no mundo do BDSM, engoliu seco. Abaixo, fotos exclusivas do nosso último evento fotogravável, todas reproduzidas com autorização prévia dos participantes, a respiração curta. Fotografar e filmar dentro de nossas dependências é proibido e pode levar à expulsão e processo, o coração acelerado.
Ele não deveria ter descido a página. Estava muito evidente o que veria, mas antes que terminasse de raciocinar suas próximas ações, seus dedos já tinham feito o estrago. Se não tinha o decoro de não ver o restante da página, talvez então não devesse ter olhado. Ou só ter parado de olhar imediatamente, assim que entendeu do que se tratava.
Padre Matheus não conseguia desviar os olhos da tela. O que aconteceu foi precisamente o oposto: ele se sentiu cheio, preenchido, como falavam que ele deveria se sentir após tomar a hóstia — como ele, de fato, se sentia. Sua atenção foi imediatamente roubada por uma foto focada em um pau grande, duro e pingando pré-gozo. O Padre nem piscou. Parecia hipnotizado, como se fosse a primeira vez que via um pau, como se estivesse com sede há anos e aquele líquido fosse uma água benta que finalmente iria saciá-lo. Quando conseguiu desviar o olhar, encarou uma em que cinco caras usando máscaras de couro estavam alinhados, um comendo o outro, e alguém — também usando uma máscara — observava tudo de uma cadeira alta.
Ele logo percebeu que todos usavam máscaras naquelas fotos, ocultando a face, mas exibindo cada centímetro do corpo. Fotos e mais fotos, corpos e mais corpos, nudez, sexo, líquidos escorrendo. Sem conseguir se conter, Padre Matheus rolou mais a página, aquelas imagens queimando em suas retinas para jamais serem esquecidas. Em algum ponto, viu até uma vagina, o corpo destoando dos outros, pelos enrolados aparecendo nas pernas abertas da pessoa, um caminho de pelos subindo até os peitos, onde piercings se destacavam de mamilos duros. Aquilo causou uma confusão no Padre por um segundo, e foi o suficiente para que ele olhasse para baixo e percebesse o pequeno ponto molhado que apareceu na calça. Só então tomou consciência de como o seu pau estava duro e dolorido, apertado na cueca, evidentemente sensível.
Padre Matheus entrou em pânico.
Empurrou o computador do colo e levantou-se da cama, sentindo a respiração pesada e um leve formigar nos dedos. Em um último ato de lucidez, ele voltou até o navegador e fechou todas as abas abertas. Sem saber o que fazer, trancou-se no banheiro, se sentindo sujo. A visão de seu próprio pau duro, levantado e molhado o deixou fraco.
Ele abriu a água quente, muito quente, na esperança de o calor lavar de si as coisas sujas e impuras que sentia, de ajudar na pulsação desconfortável no meio das pernas, seu sangue inteiro fervilhando por dentro. Entrou de roupa e tudo, mas não ajudou. Nada ajudaria, àquela altura. Lágrimas escorreram de seus olhos confusos e ele se pôs de joelhos, sentindo a água queimar suas costas.
Com a mão trêmula, o Padre esticou os dedos, abriu o ziper de sua calça e, pela primeira vez na vida, encostou em si com propósito. Se tocou com força e raiva, chorando, bravo, descompensado consigo mesmo, ciente de que trespassava todo e qualquer limite, desesperado para exorcizar seu corpo desse mal e expulsar os demônios que caminhavam por seus pensamentos. A mesma mão que ele usava para benzer, para abençoar a hóstia, para tomar o corpo de Cristo… agora tomava o seu próprio corpo, quente, cheia de pressa e ansiedade.
Ele gozou forte, melando a parede, ainda de joelhos, ainda chorando. Deixou o peso do corpo cair sobre os calcanhares, aceitando a água, encarando o próprio pau com a visão desfocada. Fechou os olhos, as mãos abertas para cima sobre as coxas como se fizessem uma súplica a Deus, e perdeu a conta de quanto tempo ficou ali.
Quando finalmente se levantou, tirou as roupas e lavou o corpo com zelo, tirando de si todo rastro de impureza, deixando escorrer pelo ralo aquela parte de si que não era perfeita, não era santa. Lavou o banheiro, depois a própria calça e cueca, pendurou-as sobre o box e voltou para o quarto. Vestiu outra calça impecável, camisa social, e só então levou a mão até o pescoço por reflexo e notou que ainda usava o colarinho clerical, agora úmido pela água do chuveiro.
Desnorteado, Padre Matheus fez a única coisa que sabia fazer em momentos de desamparo. Pegou seu terço, ajoelhou-se ao lado da cama e rezou o rosário inteiro. De novo. De novo. De novo. Os minutos viraram horas, longas, doloridas, os joelhos do Padre em carne viva, o corpo inteiro travado, mas a voz não parava, Ave Maria atrás de Ave Maria.
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno. Levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Ele precisava. Muito. Rezou até perder a voz, a boca se movendo sem que a garganta respondesse, a mente fugindo o tempo todo das imagens que viu no computador, mas elas sempre voltavam para assombrá-lo. O momento se estendeu, ao mesmo tempo, livrando-o e condenando-o.
Padre Matheus sabia que não podia voltar no tempo, para algumas horas antes. Sabia que algo mudara, algo que ele nunca mais ia conseguir calar. Por isso, rezou e rezou e rezou até apagar, ainda de joelhos, os santos e os pecados se misturando em sua mente.
No dia seguinte acordou sentindo-se maravilhosamente bem. Tão bem que decidiu empurrar para debaixo do tapete o que acontecera no dia anterior, considerando seus rosários penitência o suficiente pelo que fez. Seu humor ficou impecável por vários dias, seu foco melhor do que nunca, até seu ânimo para o serviço aumentou. Afundou-se ainda mais em estudos bíblicos, nas orações, em seu contato com a Igreja e só algumas semanas depois a inquietação em seu coração voltou, mais forte, mais latente e mais faminta.
Era intensa demais para ser ignorada, e foi então que Padre Matheus fez sua promessa. O plano se formou no fundo de seus pensamentos, oculto do mundo, e só foi proferido a Deus em sua mente, sua boca muda, sem dizer uma palavra. Deus ama o pecador, mas não o pecado, ele repetiu para si. Seu desejo de conhecer a Fantasia estava bagunçando sua cabeça, atrapalhando seu serviço e o tornando um pároco pior.
Ele não iria encostar em ninguém, sabe? Só queria ver. Não. Mais que isso. O Padre precisava ver. Ao invés de ser atormentado por aquilo por todos os seus dias, talvez fosse melhor condensar todas as tentações em um dia, um único momento, e libertar seu corpo daqueles pecados, voltando a ficar mais focado em Cristo. Era um remédio, sim. Era isso. Um remédio para o mal em seu coração, um remédio para os pecados que queriam dominar a sua carne. Ele iria ver, só ver, e depois liberar tudo que estava dentro de si. E depois rezar, claro. Rezar e rezar e rezar e rezar até não aguentar mais.
Um remédio.
E foi assim que Padre Matheus começou a frequentar a Fantasia. Há mais de dois anos a história se repetia em um ritual secreto e sagrado, o Padre entregando seu corpo para o desejo e recebendo de volta uma versão de si mais pura, mais intacta, melhor. Cada vez mais ciente dos benefícios, ele decidiu, pela primeira vez, passar as férias na capital e aproveitar a casa por mais dias em sequência. Uma espécie de preparação para um período difícil que viria pela frente, com a reforma de algumas Igrejas e a necessidade de lidar com burocracias, auxiliar os cuidadores e os fiéis a se adaptarem à nova realidade.
Sua procissão para a capital seguiu o caminho de sempre. Despediu-se dos outros padres da paróquia, carregou o carro com duas malas, dirigiu as três horas em silêncio. O celular mostrava o endereço do airbnb escolhido da vez, em um bairro mais afastado, e ele encontrou o lugar com facilidade. Chegou já no fim da tarde, com tempo o suficiente para se arrumar, mas não em excesso para começar a reconsiderar.
Colocou as duas malas ao lado da cama, fechou as cortinas e foi direto para o banho. Aquele passo a passo já estava impregnado em sua mente, como uma cerimônia de preparação, purificando-se antes do fervor se derramar. Limpava-se perfeitamente, com cuidado, como se fosse encontrar alguém, mas não havia ninguém. Nunca havia. Deixava a água fria lavá-lo, despindo tudo que ele carregava consigo até aquele momento — sempre fria primeiro, o calor viria depois, esterilizando, queimando, expurgando.
Limpo, Padre Matheus voltava para o quarto pronto para se vestir. Usava sempre a mesma muda de roupa, comprada e preparada especialmente para aquele ambiente, para se misturar àquelas pessoas. Ele não queria ser reconhecido de forma alguma, então era melhor se vestir como se fosse um deles. Toda vez que pensava nas palavras "como se fosse" um calafrio subia pela espinha do Padre. Como se fosse dava a entender que não era. Ele balançou a cabeça, voltando a focar nos passos da sua consagração.
Passou a calça de couro justa pela pernas, o tecido revelando os pedaços de si que adormeciam fora daquele lugar. Padre Matheus sentia seu corpo acordar, uma leve eletricidade aquecendo seus membros. Colocou o cinto com calma, segurando a ansiedade que se formava em seu estômago. Abotoou a camisa social que só vestia no caminho até o carro e não seria útil até o dia seguinte de manhã, na volta para casa. Separou os outros dois itens que finalizariam sua roupa e colocou em uma pequena bolsa, que levaria para o carro. Só no caminho, bem longe dali, ele terminaria de desmontar e remontar os pedaços perfeitamente encaixados para essa versão do Padre.
Deixou o carro longe do apartamento com antecedência e, antes de abrir a porta, escutou o corredor, saindo sem ser visto. Em uma mão, a pequena bolsa. Seus passos eram firmes, mas ele evitava fazer barulho. Buscava ser o mais silencioso possível, não chamando atenção para si, se apagando para que não fosse visto. Seu foco estava inteiro na sequência que o movia, levando-o para frente do prédio, pela calçada até a rua de trás, onde ficava o carro, e do carro até uma rua isolada em outro bairro.
Ali, ele despiu a camisa, dobrando-a imaculadamente. Depois pegou uma máscara na bolsa, inteiramente de látex, e desceu com facilidade sobre o rosto. Encarou no espelho um reflexo que era seu, mas, ao mesmo tempo, não era. Um disfarce, a batina dos pervertidos. Não seria uma batina, é claro, sem o colar clerical. O mesmo daquele primeiro dia, agora limpo e seco, com um tecido preto que ele mesmo costurou por cima, para não ocultar o verdadeiro significado daquele tecido só por estar sem a camisa correta. O colar era um lembrete, uma mão santa o segurando pelo pescoço e jamais deixando que ele se esquecesse de sua promessa e de seus acordos.
Padre Matheus, sua verdadeira face, fez o restante do trajeto até a Fantasia se concentrando na sensação da roupa contra a sua pele. Distraindo seus pensamentos, sem queimar nenhuma largada, sem correr antes do tiro. Na entrada, entregou seu celular e a chave do carro, como sempre, e indicou a pulseira roxa, a usada por pessoas que não queriam ser tocadas. A recepcionista colou a pulseira no lugar e o segurança liberou a entrada após revistá-lo com calma, apalpando tanto que chegava a ser obsceno. Da primeira vez, aquelas mãos fortes apertando seu corpo fizeram seu coração bater torto, muito confuso, e ele quase desistiu. Mas bastou entrar na casa, ainda desnorteado, que as incertezas se dissolveram.
Liberado para entrar, caminhou com familiaridade entre as pessoas que já estavam ali, sem tocar em ninguém. Desviou elegantemente dos fluxo de corpos, reparando nas pessoas que dançavam em um canto, ainda tímidas, e nas que já estavam engajadas em roleplays intesos e obscenos. Em silêncio, foi até a cadeira mais afastada, perto do bar. Pediu a água de sempre, e o barman o cumprimentou com um sorriso. Era fácil reconhecê-lo ali, mas não pelo rosto. Era o único que não bebia álcool, sempre sóbrio, sempre intocado, quieto em seu canto observando, devorando com o olhar.
Padre Matheus nunca saia daquele canto. Muito raramente trocava algumas palavras com o barman, que era atento e cuidadoso, e vez ou outra parecia não resistir em comentar quando notava que alguma coisa mexeu com o Padre. Porque era óbvio o quanto tudo aquilo mexia com ele. Em algum momento, inclusive comentou que Padre Matheus não era a única pessoa a ir ali com fetiches em Padres, mas aparentemente o único que vivia a fantasia completa, como se fosse mesmo celibato. Como se fosse.
Naquela noite em específico, a primeira de suas férias, o barman não disse nada. O Padre apenas observou, sério, as mãos sobre o balcão e as costas apoiadas contra a parede. Como se fosse onipresente, ele via tudo. Quando cada um dos homens entrava, ele via. Pediam bebidas e ele via. Quando tiravam as roupas, exibindo os corpos suados, e ficavam apenas ostentando o couro e as correntes, ele via. O ruivo bem jovem e sorridente que gostava de chupar o barman durante o horário de trabalho, ele via. Tudo. Tudo. Quando dois ou três estavam se beijando, quando um deles era pisado e humilhado, quando saíam para um dos quartos isolados ou não saíam, ele também via. Quando era público era melhor ainda, porque sua imaginação sequer precisava trabalhar. Sempre tinha. E um ato sempre puxava outro, que puxava outro, e o que ele estava presenciando se misturava às suas memórias, as informações sobrepostas, um mero humano tentando carregar consigo a onisciência das noites da Fantasia.
Padre Matheus nunca se tocava ali. Mesmo sentindo o pau apertado na calça, a dor física era apenas o começo de sua penitência. Aguentava firme a cada momento, devorando os mínimos detalhes de cada pessoa, observando o movimento de vai e vem que as cabeças faziam enquanto engoliam outros paus, sedentas. Ele memorizava, sem se permitir esquecer ou perder qualquer detalhe.
Logo antes de amanhecer, o Padre foi embora. Na maioria das vezes, ao sair dali, seu pau já estava latejando na calça, saltado e marcado, e ele sentia os olhares sobre si quando ele se afastava. Oculto, era visto. Se sentia um ostensório vivo, carregando seu corpo para fora da Fantasia ciente de que era adorado e observado, desejado e cobiçado.
Voltou para o airbnb em outro longo caminho disfarçado, retirou sua máscara, mas manteve o colarinho, como sempre, e vestiu a camisa social por cima. Ao chegar, abriu novamente a água quente e estava pronto para se masturbar até o corpo enlouquecer por completo. Tudo que ele viu voltava em sua mente, forte e intenso, a cada estocada de sua mão, com cada movimento: o homem que se amarrou à parede para ser usado, e recebeu em algumas horas mais mãos — e paus — em seu corpo do que o Padre sentiria em toda a vida; o sexo grupal que sempre aparecia em seus pensamentos, tantos homens se beijando, se adorando, se desejando, cada um vendo no outro uma aura única, angelical; um homem grande, enorme, que ficou de joelhos para todos os outros da festa e recebeu um banho de porra que deve ter grudado até em sua alma, quente, viscoso e delicioso.
Padre Matheus gozou, mas ainda estava duro, frustrado, desejoso e irritado. Levou o dedo melado até a boca, precisando muito que aquela limpeza viesse de dentro para fora, limpando-o mais uma vez, expulsando de si de novo e de novo, quantas vezes fossem necessárias. A parede escorria gozo, a água embaçou todo o espelho e o Padre continuou os movimentos, sem conseguir paz das imagens que queimavam atrás de seus olhos.
Gastou mais de duas horas assim, gozando várias vezes, se refazendo, esperando, tirando de si tudo de sujo e deixando que sua versão limpa nascesse daqueles movimentos. Depois, como sempre, lavou-se com zelo, sentindo a pele em carne viva com o calor da água, e lavou também o banheiro. No fim, estavam ele e o banheiro perfeitamente castos, como se jamais tivessem sido tocados.
Seu último passo era perto da cama, de joelhos, com orosário na mão. Ainda nu, vestido apenas de seu colar, Padre Matheus rezava. Rezava e rezava, sentindo cada pedaço de seu corpo doer, sentindo o fervor da água se misturar à sua fé, ao medo, ao temor, todas as coisas em um emaranhado complexo e profundo.
A vós bradamos, degradados filhos de Eva. A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas.
Rezava e rezava e rezava até desmaiar sobre os próprios joelhos, pronto para voltar à vida dominical.
Dessa vez, entretanto, ele não voltou logo de cara. Ainda tinha o restante da semana para aproveitar suas férias, e passou os dias visitando museus e bibliotecas, e todas às noites na Fantasia. O Padre temeu, por um tempo, que aquela semana o desviasse de vez de seu caminho, sendo demais até mesmo para um fiel fervoroso. Não foi, no fim. Ele continuou o ritual, todos os dias, impecavelmente, cuidando de si e da sua promessa com um cuidado divino.
Na sua última noite, estava tão realizado e feliz que decidiu passar menos tempo na Fantasia do que o normal, para que pudesse acordar bem cedo no dia seguinte e já voltar para a sua cidade. Estava se sentindo renovado, purificado e agraciado.
Não foi culpa dele o que aconteceu, no fundo. Padre Matheus jamais poderia imaginar ou prever a sequência de acontecimentos daquela noite. Nem mesmo quando escutou o som alto de uma bengala batendo contra o chão, nitidamente vindo da recepção, ele não raciocinou. Estava distraído, bebendo sua água enquanto dois caras lentamente amarravam um terceiro, sem pressa. O som aumentou e se aproximou e nenhum alerta subiu à sua mente. Quais as chances, de verdade? Não, ele nunca poderia imaginar.
Focado na amarração, Padre Matheus demorou a notar o rosto diferente que passou pela porta de entrada. Um rosto jovem, sorridente, mandão e atrevido. Um rosto que ele reconheceria de longe, sem precisar de ajuda: era a primeira pessoa que Padre Matheus vira desafiar a Igreja, a família e sua comunidade para ter o direito de ser quem realmente era. Uma coragem ímpar que nenhuma outra pessoa jamais demonstrou perto dele.
Padre Matheus entrou em pânico, paralisado pela segunda vez.
Thiago se movia devagar, cumprimentando alguns dos homens no local com beijos quentes na boca. Estava bem diferente, depois de todos esses anos. Os cabelos agora eram mais longos, caindo em ondas desarrumadas sobre os ombros, e usava somente uma pequena sunga de couro, bem apertada, deixando muito pouco para imaginação. Sua bengala agora tinha adornos de caveiras pequenas, espinhos de metal e correntes penduradas. Cada vez que ela tocava o chão, o som ecoava dentro do Padre, que estava arrepiado até o último fio de cabelo.
Na mão que esperava ver livre, o Padre encontrou uma corrente. Uma longa corrente, trabalhada e brilhante, que Padre Matheus seguiu com os olhos até a coleira no pescoço de um homem que estava de quatro no chão, caminhando sobre os joelhos e mãos atrás de Thiago.
O homem usava uma calça de couro, uma máscara de látex e um colar clerical.
Peças exatamente iguais às suas, sem tirar nem por, como se tivessem sido compradas juntas, costuradas juntas, destinadas a estarem juntas.
Ver uma pessoa extremamente submissa e humilhada, ignorada pelos demais como se não fosse gente, nem sempre atiçava os sentidos do Padre. Mesmo assim, tinha algo de diferente em observar uma cópia sua de joelhos para Thiago. Seu coração martelava no peito, descontrolado, e aquela foi a primeira vez em todo aquele tempo que o Padre se sentiu amaldiçoado, mas não parecia ruim. De fato, parecia tão errado que, no fim, era certo. Como se fosse óbvio, um final inevitável, um castigo e punição divina por sua audácia.
Os próximos minutos aconteceram em câmera lenta na cabeça do Padre, que recebeu cada instante como se estivesse sendo furado com uma lança: Thiago continuou sua caminhada lenta pela casa, beijando mais homens, e uma cadeira boa — estofada e com a aparência confortável — apareceu ao seu lado, carregada por uma pessoa que vestia uma roupa completa de látex, com apenas os olhos e a boca de fora. Thiago parecia bem quisto, como se fosse Jesus caminhando entre seu povo e todos quisessem agradá-lo. Ele apontou para a parede oposta, sorrindo muito, e a cadeira foi colocada exatamente de frente para o Padre.
Thiago finalmente se sentou, o homem na coleira parado à sua frente, ainda de quatro. Padre Matheus achou que iria morrer. Não conseguia desviar o olhar, devorando seus movimentos, hipnotizado pela forma como Thiago cruzou as pernas, a pele já meio brilhante, como se estivesse besuntada em óleo. O pecado o atraía, água no deserto alimentando um sedento. Subiu o olhar, engolindo saliva ao ver a barriga malhada, e sentiu o coração ensandecido quando encarou o peitoral, os pelos esparsos, piercings nos mamilos, os braços fortes emoldurando-o como uma pintura que a Igreja certamente queimaria se pudesse.
Só então, nesse momento transcendental, os olhares dos dois se encontraram. Quentes como o inferno, pois não havia Jesus ali, apenas o Diabo, pronto para mandar, obrigar e devorar os pecadores. Thiago abriu o maior sorriso que o Padre já tinha visto na vida, indecente, provocativo.
Não era só um sorriso, era um aviso.
Thiago Fagundes, ex-seminarista da Paróquia de Padre Matheus, estava em sua cátedra, sorridente e infernal, dando boas-vindas e um recado simples: eu sei quem você é e o que está fazendo aqui.
Por favor, Padre Matheus, ele parecia dizer, aproveite o espetáculo que preparei para você.
A parte 2 já saiu! Confira aqui.
[FUÉEEEEEEEEEE] [SOM DE CAMINHÃO BATENDO] [IDOSO TROPEÇANDO] [ADULTO CORRENDO]
Eu sei. SURTO. Puro suco do surto. Se quiser me falar o que achou, surtar aguardando a próxima parte ou qualquer coisa, minha DM está aberta e o curiouscat também, para mensagens anônimas.
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Queria deixar o agradecimento à Isabelle Morais que preparou esse texto e me ajudou a transformá-lo numa versão + herege + poderosa! haha
É isso! Um xêro,
Kodinha
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